Talvez eles nem saibam que são ou nem mesmo se importam com isso, mas os ex-cristãos (especialmente ex-líderes) acabam sendo os piores inimigos da fé. Eles passam a ideia de que, porque estiveram do lado de cá (nas fileiras dos que creem), têm autoridade para falar sobre a descrença, como se sua descrença fosse regra ou uma experiência universal. Aconteceu algo assim com o ex-missionário evangélico Daniel Everett, cuja entrevista foi publicada nas páginas amarelas da revista Veja da semana passada. Everett diz ter perdido a fé no Brasil, quando estava traduzindo a Bíblia para a língua indígena piraã. Segundo o linguista, um índio piraã lhe perguntou se ele já havia visto Jesus e ele respondeu que, pessoalmente, nunca O havia visto. Então o índio disse que o missionário falava sobre alguém que não conhecia. Foi o suficiente para abalar a fé do ex-pastor, que disse na entrevista: “Para mim, se Jesus existiu mesmo, foi apenas uma pessoa boa, mas não o filho de Deus.”
Everett se esquece de que “pessoas boas” ou, pelo menos, mentalmente sãs, jamais afirmam que são Deus. Jesus fez isso mais de uma vez. Pessoas sábias nunca afirmam que existiram antes de haver mundo. Seriam consideradas loucas. Na verdade, creio que Everett realmente falava de alguém que nunca chegou a conhecer de verdade. Conhecer fatos sobre Jesus e a Bíblia não significa conhecer Jesus – experimentalmente falando. Digo que creio porque não posso afirmar isso. Não conheço Everett pessoalmente. Respeito a opinião dele e sei que muita gente passa por experiência semelhante (de perder a fé) quando a tribulação lhes bate à porta ou se deparam com dúvidas para as quais não estão preparados – seja para responder, seja para aceitar serenamente o mistério. Afinal, no “plano físico” de nossa existência, convivemos com tantos mistérios que não nos impedem de viver, por que não se daria o caso no “plano espiritual” (uso essas expressões sem a conotação que lhes dão os espíritas).
Assim que terminei de ler a entrevista com Everett, enviei um e-mail para a redação da revista Veja e disse-lhes que exatamente na semana seguinte (esta) estaria no Brasil um dos maiores defensores da fé cristã com base em argumentos bastante racionais (basta ler qualquer livro dele para conferir), o doutor em filosofia e em teologia William Lane Craig. Disse para o pessoal daVeja que entrevistá-lo serviria de ótimo contraponto à entrevista com o Everett (e que isso é bom jornalismo). Até agora não recebi qualquer resposta e, sinceramente, duvido que “ouvirão” a sugestão deste humilde blogueiro criacionista. Fiz isso outras vezes, por exemplo, quando a Vejapublicou entrevista com o neoateu Richard “devoto de Darwin” Dawkins e com o filósofo ateu Michel Onfray (notou a tendência da revista?). Nessas ocasiões, sugeri que eles entrevistassem não um criacionista (seria pedir demais), mas, pelo menos, cientistas que defendem o design inteligente, como Michael Behe ou Stephen Meyer. Nada.
Craig (autor, entre outros, do livro Em Guarda) ficará no Brasil por mais algumas semanas, mas acho que Veja deixará passar a oportunidade. Fazer o quê...
(Eu poderia mencionar, também, outros inimigos da fé que mercadejam com a ingenuidade – ou vontade de enriquecer materialmente – alheia; os tais pregadores da prosperidade que transformam cultos em espetáculos macabros e levam multidões para longe do verdadeiro reino de Deus. Mas deixo isso pra lá.)
Michelson Borges
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