A troca de acusações entre as emissoras Globo e Record teve pelo menos um ponto positivo: revelou os bastidores do que antes era conhecido apenas em livros-denúncia. Se a Record se valeu de verbas oriundas de dízimo e ofertas de milhares de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, a Rede Globo foi beneficiada por verbas públicas em sua eterna relação com o poder. Longas reportagens em telejornais de ambas as emissoras escancararam isso para milhões de telespectadores. Ganha a democracia, ganha a liberdade de imprensa, quebra-se o monopólio da comunicação, ganha a sociedade que fica sabendo da falta de lisura daqueles que deveriam ser exemplo de ética e honestidade. Mas perde a religião. Na reportagem do Jornal Nacional que deu origem à briga, foram exibidas cenas lamentáveis de pastores recolhendo sacos de dinheiro e fazendo caretas prazerosamente debochadas para as câmeras. Quando deu o troco, a Record perdeu a chance de mostrar outra face da Universal. O que fez foi reforçar ainda mais o estereótipo da igreja cujo reino é mesmo deste mundo. Escolheu personagens para tentar ilustrar o que a denominação tem de bom, e a impressão que deu é a de que o lado bom da Universal é fazer com que a conta bancária de seus adeptos engorde milagrosamente, desde que eles ajudem a encher os cofres da igreja. Ninguém falou em volta de Jesus, pregação do evangelho, estilo de vida e renúncia, conceitos comuns nos Evangelhos. Ao contrário, a tônica é sempre a teologia aberrante da prosperidade, como se a conversão fosse garantia de enriquecimento. Textos bíblicos como “no mundo tereis tribulações, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo” (João 16:33); “não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu” (Mateus 6: 19-21), e outros mais, parecem passar longe do ideário dos líderes da Universal. No meio desse fogo cruzado estão pessoas sinceras que buscam paz e esperança. É o caso do entrevistado na matéria da Record que tentou suicídio, mas mudou de ideia quando ouviu um pastor falando na TV. Deus lida com cada pessoa individualmente e vê o coração, por isso não podemos julgar a sinceridade delas. Mas podemos esperar que justiça seja feita contra esses líderes que se refestelam com o dinheiro suado de seus seguidores, construindo mansões enquanto muita gente dentro e fora do rebanho passa fome e amarga dívidas. Resta esperar que funcione o bom senso daqueles que assistem a tudo nos sofás das salas de estar. Verdadeiros seguidores de Jesus entendem que é necessário, acima de tudo, buscar em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça. As demais coisas – casa, comida, roupa, etc. – lhes são acrescentadas pelo trabalho honesto e pela bondade e sabedoria de Deus (cf. Mateus 6:33). As bênçãos prometidas aos dizimistas em Malaquias 3 não dizem respeito apenas à prosperidade financeira, que o Senhor sabe a quem conceder ou não. Seguindo o estilo de vida proposto pela Bíblia e sendo liberal com a causa de Deus e com as necessidades do semelhante, a pessoa terá também paz, saúde e bons relacionamentos - bênçãos impagáveis. Finalmente, que os espectadores tenham sensibilidade para perceber que nem todo pastor é ganancioso, assim como nem toda igreja visa ao lucro e nem todo padre é pedófilo. E que Deus ajude os sinceros a ter discernimento e a encontrar a pérola de grande valor em meio a tanta sujeira. Michelson Borges Leia também: "Entre Globo e Record, qual a pior?"
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