Outro dia eu acordei de mal comigo. Deve acontecer contigo também, se você for normal como eu. Ainda que não seja, se for mulher também deve ter isto de se olhar no espelho e não ter qualquer empatia com o que ali está refletido. Era daqueles dias que o cabelo quer a emancipação alegando diferenças irreconciliáveis e não há argumento ou força bruta que o faça parecer simpático. Suas dobras, que já andam um tanto quanto saidinhas, atormentam em manifestação de crescimento.
Parei, olhei e constatei: “como estou feia e gorda”. Foi terrível ouvir isto de mim, mas é ainda pior ler isto nos olhos dos outros que nem conseguem disfarçar. Onde anda a solidariedade alheia nestas horas, não? Ameacei chorar, mas pensei que as rugas podiam se precipitar piorando ainda mais o quadro. Claro que eu sabia estar (beeeemmm) acima do meu peso e num ato de compaixão pensava em quanta injustiça se juntava na minha cintura e se espalhava pela barriga, coxas e braços. Injusto, eu achava, por saber dos recentes esforços com exercícios frequentes – ainda que não tão intensos – e um upgrade de frutas, verduras e afins no meu pratinho costumeiramente recheado de massa.
Tá, como muito e não pretendo negar, mas há tempos venho investigando com médicos um aumento de peso que não se justifica há mais de um ano. Preocupe-se não, lhe pouparei dos pormenores técnicos desta resistência em perder o que não queria que me pertencesse, é só um meandro para que à par fique de minhas lamúrias naquele dia. Ali fiquei, ali me penalizei e sumariamente defini a sentença: sem cremes, perfumes, arrumação ou roupas novas até ficar “bonita” de novo, garota! Ah, e sem redução da pena ou qualquer progressão de regime.
Num relance me lancei um olhar severo ao qual em fração de segundo retribui – sim, eu mesma – com outro de pena e lamento. Daí a boa pessoa que habita em mim se solidarizou com a penalizada que também divide espaço nesta turbulenta pensão. A boazinha abraçou a coitadinha, lhe ofereceu abraço, carinho e um pouco de conversa. Explicou-lhe o quanto era legal, amada e disposta a fazer da vida um constante espetáculo de alegria e aprendizado, contou da benção de ser perfeita fisicamente, apesar da tal pressão social lhe negar este direito legítimo por conta do manequim saindo do 42.
A boa pessoa fez a condenada se lembrar de tanta gente que não tem uma perna ou um braço, encontram-se enfermas ou com qualquer outra deficiência e a trocariam de bom grado por um corpo que funcionasse bem, ainda que mais redondinho. Pobre coitada que era, a ré se ofereceu para emagrecer à marra com tantos remédios ilícitos ou insalubres à disposição e a boa alma lembrou que mais vale a saúde que a magreza. Com afagos sinceros a convenceu de que não era justa a pena, que valia o esforço para escapar desta prisão auto-imposta e a compensação com cremes para o corpo e o cabelo, coisinhas cheirosas, roupas para aquele tamanho atual e sapatos, ah, sapatos eram mesmo sempre uma boa compensação.
Quase no fim estava quando já não precisava convencer aquela frágil criatura de que injustiça eram os rótulos, os desmandos em nome da tal fôrma. Triste era se abandonar enquanto colocava valor em quem não o tinha, ainda que bonito fosse pelo verniz que se via por fora. Aquele ar impetuoso a sair dos pulmões inflando o peito que se levanta esticando o pescoço e dá uma murchadinha na barriga foi o decreto final: absolvida. Liberta estava da pena, pelo menos por aquele dia, pois a gratidão lhe escapou pelos poros exalando o perfume suave do amor próprio.
E você, qual o “defeito” que tem? Pense nele como característica e pense mais: em todos os defeitos que felizmente não tem! Daí, agradeça a Deus por tantas bênçãos ao invés de ser ingrata por uma coisa ou outra que não saiu como desejava…
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