sábado, dezembro 10, 2016

De quando Jesus me pareceu ‘bem mal-educado’


Jesus parece ter sido bem arrogante e mal-educado com sua mãe quando ela o procurou para resolver um problema familiar. Qual é o contexto desse texto na época que ele ocorreu? É possível entender de outra maneira que não seja olhar para Jesus com uma cara feia pela atitude dele para com sua mãe? Em alguns parágrafos vou te dar uma ideia do que aconteceu naquele dia.
Maria e Jesus foram convidados para um casamento em Caná da Galileia, provavelmente de algum parente deles[1]. Jesus levou também seus discípulos, segundo a bíblia, eles também foram convidados[2]. Maria era uma das organizadoras da festa, caso contrário, ela não teria tentado resolver o problema da falta de vinho e nem teria dado ordens aos servos para obedecerem a Jesus[3].
O casamento naquela época era algo muito importante e considerado um momento de mostrar a classe social da família envolvida. Geralmente durava uma semana, as vezes duas[4]. E faltar alimento ou algum tipo de bebida era sinal de pobreza ou má administração. O noivo era quem arcava com as despesas[5] e os familiares da noiva poderiam até processá-lo caso faltasse os suplementos naquela semana. Além de ser uma vergonha irreparável para os envolvidos[6].
E é exatamente isso que acontece. Maria, acredito eu, tinha vínculos familiares com o noivo[7], e ficou muito preocupada com a situação. Como uma das administradoras da festa,[8] tenta achar uma solução para o problema. Foi neste momento que ela recorre a Jesus. O texto bíblico diz que ela se aproxima de Jesus e diz: “eles não têm mais vinho[9]. Com essa simples frase ele entende todo o problema. Ele sabia da vergonha da família e do problema social que perduraria por anos. Mas a sua resposta parece ignorar tudo isso e, inclusive, parece ser muito rude com sua mãe. “Que tenho eu contigo, mulher?[10]
Jesus não havia operado nenhum milagre ainda até aquele momento. Por que Maria, então, recorre para Jesus resolver o problema? Primeiro porque não existe somente uma forma de resolver um problema. E a falta de vinho poderia ser resolvido de várias maneiras, como comprando na venda mais próxima ou até emprestando de uma outra família vizinha. O fato é que Maria estava acostumada a recorrer a Jesus para buscar ajuda.
A tradição diz que José, seu pai, havia morrido e Maria já estava viúva há muito tempo. Jesus era o filho mais velho e o responsável por ela e todos os outros irmãos mais novos[11]. Ele tinha a responsabilidade para com sua família. E Maria deve ter recorrido a ele muitas vezes para a solução dos seus problemas. Sem usar a sua divindade ele deve ter buscado solução toda vez que sua família precisou. Agora, sua mãe, recorre mais uma vez ao seu filho mais velho na esperança que ele tenha uma solução.
Mas nesse momento Jesus já está entrando em outro estágio de sua vida. Já está ao redor dele cinco dos seus doze discípulos[12]. Ele começa a entrar em cena como o Messias e começa a trabalhar como o salvador do mundo e não apenas mais como o provedor de sua família. Os discípulos e sua mãe precisam entender que ele não é apenas um homem com boas ideias, mas é o filho de Deus[13].
Por isso veio a resposta, “Que tenho eu contigo, mulher?” Duas coisas temos que entender dessa frase. Primeiro que, para nossa mentalidade ocidental parece falta de educação dizer algo dessa maneira, mas não é rude no contexto da língua aramaica ou grega e nem na cultura da época[14].
Maria aparece duas vezes no evangelho de João, aqui e na hora da morte de Cristo. E as duas vezes Jesus a chama de mulher. Antes de morrer ele passa a responsabilidade para João o cuidado de sua mãe. Essa parte do texto “mulher” poderia ser traduzido para a nossa mentalidade como “querida mulher”, como a NVI o faz, ou até como “mãe” (o que tenho haver com isso, mãe?).
Em segundo lugar tem que ver com a messianidade de Jesus. A partir desse dia ele declara publicamente quem ele realmente é[15]. Ele já não trata aquela mulher como sua mãe, mas como uma de suas criaturas. E ela, por ser a pessoa que o gerou, já não tem mais privilégio especiais por isso. Jesus não se deixa levar por pessoas que tem um contato mais próximo com ele. Não tem partidarismo ou favoritismo. E Maria também tem que entender que ela não tem preferência por ter sido a mãe do Messias aqui na terra[16]. Ele trata a todos iguais. Ele tenta mostrar para Maria e os discípulos que ele já não é o filho dela, mas o Messias esperado.
Ele tem o poder de resolver a situação, mas o tratamento dele seria igual para todos. Ela entendeu a situação e não achou rude a sua resposta. Sabia que, daquele momento em diante, teria que ter fé e não mais afinidade com ele. E foi isso que ela fez. Pela fé, disse aos servos que o obedecessem em tudo, e o primeiro milagre aconteceu.
Se fizéssemos uma tradução interpretativa do texto seria mais ou menos assim:
  1. Jesus, meu filho, preciso que nos ajude com um problema aqui. Acabou o vinho da festa e não sei o que fazer para conseguir mais vinho. Pode nos ajudar? Será que tem onde comprarmos por aqui perto?
  2. Mãe, a partir de hoje você tem que entender que eu já não sou simplesmente seu filho. Comecei meu ministério publicamente como Messias, o filho de Deus. E você será tratada como uma de minhas criaturas e não tem mais o privilégio de ficar pedindo coisas particulares de sua vida só porque é minha mãe. Entendeu?
  3. Ok, eu entendo, Senhor meu e meu Deus. Então disse aos servos: Servos, vocês não entendem tudo ainda, mas Ele é Deus e pode qualquer coisa, por isso o obedeçam em tudo o que ele vos disser.
[1] Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 169). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

[2] João 2:2

[3] Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 169). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

[4] Borchert, G. L. (1996). John 1–11 (Vol. 25A, p. 154). Nashville: Broadman & Holman Publishers.

Tob 8:19; 11:18

Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 169). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

[5] Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 169). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

[6] Borchert, G. L. (1996). John 1–11 (Vol. 25A, p. 154). Nashville: Broadman & Holman Publishers.

Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 169). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

[7] Acredito nisso pelo fato dela se preocupar em resolver a situação, parece que ela estava sentindo a dor deles em ter a falta de vinho.

[8] Como ela tenta resolver a situação e dá ordens aos servos, parece que ela tinha um cargo administrativo na festa.

[9] João 2:3

[10] João 2:4

[11] Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 171). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

Na cruz ele faz provisão para o futuro de sua mãe. (19:25–27)

Borchert, G. L. (1996). John 1–11 (Vol. 25A, p. 154). Nashville: Broadman & Holman Publishers.

[12] André, Pedro, Filipe, Natanael e provavelmente João. Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 169). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

[13] Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 171). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

[14] Borchert, G. L. (1996). John 1–11 (Vol. 25A, p. 155). Nashville: Broadman & Holman Publishers.

[15] Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 171). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans.

Borchert, G. L. (1996). John 1–11 (Vol. 25A, p. 156). Nashville: Broadman & Holman Publishers.

[16] Carson, D. A. (1991). The Gospel according to John (p. 171). Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans. 
Por Rodrigo Bertotti

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